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terça-feira, 25 de maio de 2010

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.


Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!


José Antônio Oliveira de Resende

Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura,
da Universidade Federal de São João del-Rei.

13 comentários:

  1. Que bom texto, Eliana! E a imagem também. Uma casa acolhedora, o sol aquece-a, mas ninguém quer visitar a dona da casa que, contudo, anseia tanto uma visita!
    Por outro lado, acho que a Internet traz uma nova esperança para quebrar esse isolamento, mas, claro, só para os mais afortunados e jovens.
    Bjsss de uma amiga sempre aqui ;)))
    Madalena

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  2. PÔxa Eliana eu fui lendo e te achando tão boa com as palavras, uma poesia só, quado cheguei ao fim e vi! não foi a senhorita que escreveu!kkkkk, mais eu assino embaixo é bem isso mesmo!Um abraço de dois braços e com duas vorta e meia.Jana.

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  3. Jana que bom que vc gostou adoro esse texto!
    Da proxima vez coloco o autor aí em cima!
    Abraço de duas vorta pra vc tbm!!

    Beijo

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  4. Madalena aqui também tens uma amiga sempre!!!

    Beijo

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  5. Lih!!
    Por isso que num canso de tí visitá, né minha cumadi?! E dinoitinha tamén...:D
    Afinal, sou desse tempo...
    E que tempo bom, hein?! Na simplicidade tudo era tão mais acolhedor...
    Não sou contra a modernidade... mas, belos ensinos se perderam nessa geração consumista... penso assim...
    Ainda bem que moramos longe... mas sempre nos lembramos uma da outra... e pedimos prá que Deus sempre esteja presente...
    brigadinha por dividir esse texto lindo!
    Um bejim, tá cumadi?! =}

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  6. Eliana esse texto me trouxe velhas lembranças da vidinha no interior,era assim mesmo que acontecia!
    Fiquei saudoso de uma vida maravilhosa que vivi!
    Hoje é só velhice e solidão!!!

    Sebastião Queiroz.

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  7. SEBASTIÃO POR FAVOR Ñ QUERO SABER DE TRISTEZA AGORA QUE ESTOU ME EQUILIBRANDO DE UMA HISTÓRIA TRISTE A MORTE DO MEU IRMÃO!
    OLHA A VIDA É ISSO CABE A VC FAZER SUA VELHICE FICAR ALEGRE TENS FAMÍLIA???
    SABE AS VEZES É TÃO BOM VIVER DE LEMBRANÇAS BOAS FAÇA ISSO SORRIA AO SE LEMBRAR DESSE TEMPO QUE TE FEZ TÃO FELIZ!!!
    SEJA FELIZ
    VAMOS COMBINAR NADA DE TRISTEZA!!VIU??
    BEIJO

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  8. Sou do tempo da ultima parte do texto onde tudo é virtual até sexo!

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  9. Adorei o texto, Eliana!
    É a mais pura verdade.Hoje temos medo até que nos roubem os sonhos e os pensamentos; vivemos assustados...Que triste, solidão!
    Beijinhos

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  10. Que belo texto ! Muito verdadeiro e ataual ! Abraços

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  11. Que delícia de post, bons tempos que não voltam mais...
    Beijo,
    Dani

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  12. Esse texto remete aos bons tempos de quando era bom visitar e ser visitado...tempos onde não existia computador, onde pra visitar a gente tinha que ir...rssss...

    Tomara que daqui a pouco a gente não deixe de fazer visitas, mesmo que essas virtuais, que nos tempos modernos já valem alguma coisa!

    Abraço,
    sua visitante Renata

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